Publicado em: 15/07/2024
De acordo com a
Procuradoria, após mais de 30 anos desde a Constituição de 1988, ainda não há
uma regulamentação por parte do poder legislativo sobre o adicional de
penosidade
O plenário do
Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, em julgamento virtual
realizado entre maio e junho de 2024, fixar um prazo para o Congresso
regulamentar o adicional de penosidade para trabalhadores urbanos e rurais que
exercem atividades consideradas como penosas.
Em linhas gerais,
a Procuradoria-Geral da República ajuizou a Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 74 para que o STF reconheça a omissão
inconstitucional na edição de lei federal sobre o tema e estabeleça prazo
razoável para que o Congresso regulamente o direto dos trabalhadores ao
referido adicional.
De acordo com a
Procuradoria, após mais de 30 anos desde a Constituição de 1988, ainda não há
uma regulamentação por parte do poder legislativo sobre o adicional de
penosidade. Além disso, destacou que as proposições legislativas que estão em
trâmite sobre o tema não afastam a inércia por parte do legislativo.
A Câmara dos
Deputados, por sua vez, destacou que é necessário observar a separação dos três
poderes e que é devido espaço de conformação ao legislador, bem como
discricionariedade legislativa, desde que observada a Constituição. Ainda,
reiterou que se trata de tema de alta complexidade, inclusive, sendo necessário
deliberar o que pode ser considerada uma atividade penosa. Citou também que há dezenas
de proposições em trâmite no Congresso, sendo que algumas estão em fase
revisional.
De igual modo,
o Senado sustentou que a fixação de prazo somente deve ser realizada em casos
excepcionais, sob pena de violação o princípio da separação dos poderes. Não
obstante, reiterou a ausência de inércia ou omissão em razão dos projetos já em
trâmite no Poder Legislativo citando exemplos, tais como, o Projeto de Lei nº
3986/2021 para pagamento de adicional de penosidade ao motorista profissional e
o Projeto de Lei nº 5622/2020 que busca estabelecer uma definição para a
atividade penosa, dentre outros. Não obstante, reiterou que se trata de matéria
de alta complexidade e que os projetos em curso demonstram que a via
legislativa tem seguido o seu curso normal.
Contextualização
jurídica
O artigo 7º,
inciso XXIII da Constituição prevê o adicional de penosidade para trabalhadores
urbanos e rurais que exercem atividades consideradas como penosas, nos
seguintes termos:
“Art. 7º São
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social: XXIII – adicional de remuneração para as
atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.”
A Constituição
estabelece que é necessário criação de leis para regulamentar o aumento da
remuneração dos trabalhadores.Diferentemente dos adicionais de insalubridade e
periculosidade que possuem previsão por meio da Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT), o adicional de penosidade estava aguardando lei para regulamentar
a matéria.Vale lembrar que já existe uma regulamentação do tema por meio da Lei
8.112/1990, porém a sua aplicabilidade é restrita a servidores públicos
federais, deixando de fora os trabalhadores urbanos e rurais.
Entendimento
do STF
O ministro, Gilmar
Mendes, relator do caso no STF, julgou procedente a ADO 74 fixando o prazo de
18 meses, a contar da publicação da ata de julgamento para o Congresso adotar
as medidas legislativas para superar a omissão.Em suas palavras, a decisão foca
em dois “incômodos”: o primeiro, endereça uma dificuldade em definir o que
configura uma atividade penosa, já que a Constituição somente estabelece o
pagamento dos referidos adicionais; o segundo, considera o tempo já
ultrapassado para regulamentar a matéria. Gilmar Mendes afirmou em seu voto que
já havia transcorrido prazo suficiente para “amadurecimento da questão”; a
existência de projetos de lei em trâmite perante o Congresso não afasta o
reconhecimento de mora inconstitucional e há extrapolação de tempo razoável para
a regulamentação. Por fim, destacou que “não se trata de imposição de prazo
para a atuação legislativa do Congresso, mas apenas da fixação de um parâmetro
temporal razoável para que o Congresso supra a mora legislativa”.
Os demais
ministros (Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Edson
Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André Mendonça, Cristiano Zanin e
Flávio Dino) acompanharam o entendimento do ministro relator. De acordo com os
votos liberados até o momento, apenas o ministro Luiz Edson Fachin trouxe uma
ressalva de que caso o Congresso não cumpra com o prazo estabelecido, caberia
ao STF analisar o tema.
Panorama
legislativo
A título
exemplificativo, cita-se alguns projetos de leis em tramitação para
regulamentar o adicional de penosidade:
Projeto de Lei
nº 774/2011 (Câmara dos Deputados)Ementa/Objetivo: instituir o adicional de
penosidade para os trabalhadores que prestam suas atividades em condições
penosas.Pontos principais do PL:
- Definição: consideradas como atividades
penosas, aquelas que ocasionam um grande desgaste para o trabalhador, tais
como, aquelas que são exercidas sem a possibilidade de descanso ou, os
sujeitem ao sol ou à chuva, ou mesmo, que os obriguem a levantar muito
cedo ou dormir muito tarde.
- Adicional: remuneração adicional de
20% sobre o salário.
- O empregado pode receber de forma
cumulativa o adicional de penosidade com o adicional de insalubridade ou
periculosidade;
- A classificação/caracterização da
penosidade será por meio de perícia.
Situação: apensado
ao Projeto de Lei nº 3784/2008. Todavia, o referido projeto de lei é
focado na base de cálculo para o adicional de insalubridade.Projeto de Lei nº
3.995/2012 (Senado)Ementa/Objetivo: acrescentar o artigo 197-A à CLT, para
considerar insalubre e penosa a atividade profissional dos empregados em
serviços de limpeza, asseio, conservação e coleta de lixo, e para dar outras
providências.Pontos principais do PL:
- É considerada insalubre e penosa a
atividade profissional dos empregados em serviços de limpeza, asseio,
conservação e coleta de lixo;
- O adicional de atividade será
devido nos termos condições e limites fixados em regulamento.
Situação:
aguardando designação de relator na Comissão de Finanças e Tributação.Projeto
de Lei nº 138/2016 (Senado)Ementa/Objetivo: adicionar dispositivos na CLT, para
regulamentar o adicional de penosidade previsto no inciso XXIII do artigo 7º da
Constituição.Pontos principais do PL:
- Define atividade ou operação penosa
e prevê o direito à percepção de adicional de penosidade, o qual cessa com
a eliminação das condições que ensejaram a sua concessão;
- Estabelece a competência da Justiça
do Trabalho para o processo e o julgamento de pedidos de indenização pelo
exercício de trabalho penoso;
- O PL sugere acrescentar os artigos
197-A e 197-B que regulam a atividade penosa para: considerar atividades
ou operações penosas, na forma da regulamentação aprovada pela Secretaria
Especial de Previdência e Trabalho, ou na forma acordada entre empregados
e empregadores, desde que por meio de convenção ou acordo coletivo de
trabalho, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, submetem o
trabalhador à fadiga física ou psicológica; adicional de pelo menos 20% da
remuneração do empregado; e a caracterização da atividade penosa será por
meio de perícia a cargo do médico do trabalho/engenheiro do trabalho,
considerando os seguintes itens: o número de horas a que o trabalhador é
submetido ao trabalho dessa natureza; a repetição de tarefa ou atribuição
profissional considerada fatigante; condições gerais do local de trabalho,
especialmente quanto à sua salubridade; o risco à saúde do
trabalhador; equipamentos de proteção individual adotados e os
processos e meios utilizados como atenuantes da fadiga física e mental; e
a existência ou não de períodos de descanso e de divisão do trabalho, que
possibilite a rotatividade interna da mão-de-obra;
- Estabelece que o empregado deve
optar pelo adicional de penosidade ou insalubridade;
- Determina que os adicionais de
penosidade devem ser entre 40%, 20% e 10% a depender do grau (máximo,
médio e mínimo).
- Situação: Matéria com a relatoria
na Comissão de Assuntos Sociais.Projeto de Lei nº 3.694/2019
(Senado)Ementa/Objetivo: acrescentar dispositivos na CLT, para
regulamentar o adicional de penosidade previsto no inciso XXIII do art. 7º
da Constituição. Pontos principais do PL:Status: Matéria com a
relatoria na Comissão de Assuntos Sociais.
- O Projeto de Lei é similar ao PL nº
138/2016. Todavia, defende o adicional de penosidade de pelo menos 20% da
remuneração do empregado.
Discussões
judiciais a respeito do tema
O adicional de
penosidade já é um tema discutido na Justiça do Trabalho. Nota-se que os
empregados têm fundamentado os pedidos de pagamento do adicional de penosidade
a partir das características de suas atividades, tais como, exposição a
condições climáticas adversas (chuva, extremo calor), esforço repetitivo,
extremo esforço físico, turno ininterrupto de revezamento, condições
ergonômicas desfavoráveis, dentre outras.Diante da inexistência de
regulamentação sobre o tema, a jurisprudência predominante no âmbito da Justiça
do Trabalho é no sentido da impossibilidade da condenação das empresas ao
pagamento do adicional de penosidade, salvo nas hipóteses em que o pagamento do
adicional estiver regulado por política empresarial ou acordo e convenção
coletiva de trabalho. O fundamento central das referidas decisões é o princípio
da legalidade, não sendo possível condenar as empresas ao pagamento de um
adicional que não encontra regulamentação legal.
É essencial que
as empresas participem e monitorem a criação de novos projetos de lei, assim
como a tramitação dos projetos de lei já existentes para regulamentação da
matéria, considerando os impactos financeiros e operacionais aplicáveis às
empresas cujas atividades possam ser enquadradas como penosas.
Fonte:
Consultor Jurídico