Publicado em: 17/10/2023
Neste levantamento exclusivo do SOS Estradas, apurou-se que o
exame toxicológico de larga janela, obrigatório para motoristas das categorias
C, D e E, flagrou seis vezes mais motoristas que usam drogas regularmente do
que a Operação Lei Seca conseguiu identificar condutores dessas categorias
dirigindo alcoolizados. Foram analisados dados comparativos entre 2016 e 2023.
Comparação de motoristas flagrados considerando CNHs das
categorias C, D e E
Na categoria D, que permite dirigir van, ônibus e
micro-ônibus, a positividade para drogas superou 52 vezes a registrada para
condutores dirigindo sob efeito de álcool . Nas categorias C (caminhões) e E
(carretas), a desproporção é bem menor.
Mesmo assim, foram identificados quase três vezes mais
motoristas das categorias C e E usuários de drogas do que foram flagrados nas
operações da Lei Seca dirigindo sob efeito de álcool.
Estes são alguns dos aspectos comparativos abordados neste
trabalho que permitem entender melhor a diferença entre política de prevenção e
fiscalização.
COMPARATIVO : Lei Seca x Exame Toxicológico – Período:
03/2016 – 09/2023 |
|||
MOTORISTAS |
CATEGORIA |
CATEGORIA |
TOTAL |
LEI SECA |
D |
C
+ E |
C + D + E |
Autuados |
2.105 |
27.500 |
29.605 |
TOXICOLÓGICO |
D |
C
+ E |
C + D + E |
Laudo positivo |
109.070 |
79.803 |
188.873 |
Fontes: SERPRO e SOS
Estradas |
|
Metodologia
Os dados que permitiram a comparação foram obtidos a partir
da análise do Relatório “Lei Seca no
Brasil – Panorama dos últimos 15 anos”, apresentado pelo governo federal no encerramento da Semana
Nacional de Trânsito.
O Relatório destacou o total de condutores flagrados
dirigindo sob efeito de álcool e autuados em todas as categorias : A, B, C, D e
E, além de suas variantes como AB, AC, AD, AE.
O levantamento do SOS Estradas focou nas categorias C, D e E,
além de suas variações, do mencionado Relatório. O objetivo foi comparar os
resultados da prevenção (exame toxicológico) com a fiscalização (Lei Seca)
considerando o uso de substâncias psicoativas por motoristas, a maioria deles
profissionais.
O período analisado foi de janeiro de 2016 até junho de 2023
para álcool (Lei Seca) e de março de 2016 até setembro de 2023 para drogas
(Exame toxicológico).
As comparações utilizaram critérios diferentes para os
condutores que fizeram o teste do etilômetro e foram autuados por dirigir sob
efeito de álcool, daqueles que recusaram fazer o teste.
Os primeiros (testados no etilômetro) foram comparados com os
motoristas das categorias C, D e E, que fizeram o exame toxicológico e cujo
laudo foi positivo.
Já no segundo grupo (recusa ao teste), foram comparados com
os condutores das mesmas categorias que não compareceram ao laboratório,
portanto assumiram as consequências de não cumprir uma obrigação legal.
Simplificando:
– Reprovado no etilômetro = laudo positivo para drogas
– Recusa do teste do etilômetro = não realizar o exame
toxicológico obrigatório
Observação:
Os dados apresentados neste documento são apenas uma primeira
versão do que está sendo apurado e será divulgado em março de 2024, com o balanço
dos primeiros oito anos da exigência do exame toxicológico de larga janela para
detecção de drogas.
A divulgação parcial desta análise tem como objetivo alertar
a sociedade e autoridades sobre a necessidade de ajustes urgentes nas Operações
da Lei Seca e mostrar as vantagens da prevenção em relação à fiscalização,
conforme revelam os dados do exame toxicológico.
DADOS GERAIS DO
RELATÓRIO DAS OPERAÇÕES DA LEI SECA
Segundo o Relatório dos 15 anos da Lei Seca, no período de 20
de junho de 2008 até 18 de junho de 2023, o RENAINF (Registro Nacional de
Infrações de Trânsito) registrou 1.015.570 infrações de trânsito com o código
5169.
Correspondente à infração prevista no art. 165 do CTB, que
consiste em dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância
psicoativa.
No Relatório da Lei Seca, o termo foi simplificado como
“infração à Lei Seca”, e o total destas infrações refere-se aos condutores de
todas as categorias.
O número de casos que poderiam ser infrações por uso de
substâncias ilícitas foi considerado irrelevante pela própria SENATRAN
(Secretaria Nacional de Trânsito).
Por esta razão, consideramos neste levantamento comparativo
do SOS Estradas, todas essas infrações como “infrações à Lei Seca”, exatamente como o órgão do
governo procedeu.
O referido Relatório também esclarece que, quanto às
infrações ao art. 165-A, “recusar-se a
ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita
certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma
estabelecida pelo art. 277”, o RENAINF apresentou mais de 1,5 milhão de
registros de infração.
Portanto, podemos considerar que o somatório das infrações
registradas pelas operações da Lei Seca no país totalizou 2,5 milhões em 15
anos, o que equivale a 166.666 por ano ou 456 por dia.
Isso representa 17 infrações por dia para cada unidade da
federação, considerando um total estimado, segundo os dados oficiais da
SENATRAN, de quase 80 milhões de pessoas habilitadas para dirigir.
Considerando o universo das estradas, os dados oficiais da
Polícia Rodoviária Federal informam que em 2019, por exemplo, a corporação
testou 2.478.507 motoristas para álcool, dos quais 18.467 condutores foram
autuados por infringir o limite de consumo de álcool durante a direção de
veículo automotor, correspondendo a 0,7% dos testados ou 1 “positivo” para cada
134 testados.
No entanto, outros 36.327 condutores, praticamente o dobro,
foram autuados por recusar-se a realizar o teste do etilômetro durante a
fiscalização, o que representa 1,4% dos abordados.
Já em 2022 foram testados pela PRF com etilômetro 2.889.992 e
constatada a alcoolemia em 15.757.
Portanto, a média de “positivos” no etilômetro baixou para de 1 positivo para
183 testados, reduzindo a média de positivos para 0,5%.
Mas o número dos que recusaram fazer o teste passou dos
36.327 de 2019 para 48.706 em 2022. E comparando com o total de recusas para
realizar o teste, constatamos que em 2019 a cada duas pessoas abordadas duas
recusavam a fazer o teste. Isso já aumentou para três em cada abordagem.
Isto indica que a expectativa criada com o “drogômetro” será
frustrada porque motoristas que se atualmente a recusa a fazer o teste de
alcoolemia para substância lícita já é tão elevado, podemos imaginar o número
de recusas para teste de substância ilícita.
No somatório, poderíamos estimar que 2% dos condutores
abordados em uma operação de Lei Seca nas rodovias poderiam ser considerados
motoristas que dirigem sob efeito de álcool, seja porque não passam no teste do
etilômetro ou porque se recusam a fazê-lo, porque provavelmente não passariam.
Analisando os dados entre 2016 e 2022 podemos identificar que
no total dos motoristas abordados pela PRF nos mais de 70 mil quilômetros de
rodovias federais, em 112.458 foi constatada a alcoolemia. Outros 192.957
recusaram o teste. No total as autuações podem ter somado 305.415. A distorção
dos dados em 2020 e 2021 é fruto da pandemia que impactou a fiscalização.
PRF |
ALCOOLEMIA |
|
|
ANO |
Constatação |
Recusa |
|
2016 |
17.860 |
16.572 |
|
2017 |
19.083 |
20.486 |
|
2018 |
17.929 |
21.583 |
|
2019 |
18.467 |
36.327 |
|
2020 |
11.884 |
26.843 |
|
2021 |
11.478 |
22.440 |
|
2022 |
15.757 |
48.706 |
|
TOTAL |
112.458 |
192.957 |
|
Fonte: |
Anuário 2022 da
Polícia Rodoviária Federal |
SOS Estradas |
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A média de autuados neste período de sete anos (2016 até
2022) foi de 43.630 por ano, portanto, 120 condutores por dia.
Considerando os mais de 70 mil quilômetros de rodovias
federais, esta média é de 1 autuado por dia a cada 583 quilômetros de rodovias
federais por ano.
É importante recordar que nenhum órgão brasileiro realiza
mais testes de etilômetro e autuações por alcoolemia ou recusa do teste do que
a PRF.
Portanto, 1 autuado para cada 583 quilômetros demonstra a
realidade da fiscalização de condutores alcoolizados no país e necessidade de
revisão das Operações da Lei Seca que não estão produzindo os resultados
esperados.
Omissão grave de dados
Apesar das muitas estatísticas que o Relatório apresenta, que
podem ser úteis para avaliar os caminhos da política pública, não é aceitável
que uma análise de período de 15 anos omita quantos condutores foram
penalizados com suspensão da CNH e efetivamente multados em função da Lei Seca.
Não há justificativa para essa omissão, já que os dados estão
no RENACH e RENAINF, e a Senatran tem condições de colocar à disposição essa
informação.
Esta postura indica que o número de motoristas que sofrem as
consequências do rigor da lei podem ser a exceção e não a regra. O que coloca
dirigentes dos órgãos de trânsito em situação delicada, inclusive do ponto de
vista legal.
MODELO USADO PARA AS
COMPARAÇÕES
Com a entrada em vigor da Lei 13.103/15, em março de 2016, os
motoristas das categorias C, D e E foram obrigados a realizar o exame
toxicológico de larga janela na renovação da CNH, adição de categoria, admissão
nas empresas de transportes e na demissão, além do periódico a cada 30 meses.
Para poder comparar com os resultados obtidos com o toxicológico,
com os das Operações da Lei Seca entre janeiro de 2016 e junho de 2023, foi
estimado o resultado com infrações por grupo de veículo, para os quais os
condutores deveriam estar habilitados nas categorias C, D e E. (Veja figura 12 da
página 22 do Relatório)
No Relatório, a quantidade de infrações por dirigir sob
efeito de álcool foi de 3,80% para condutores de veículos de carga e 0,29% em
veículos de passageiros.
Foi utilizando esses percentuais que foi possível estimar os
condutores das categorias C, D e E autuados pela Lei Seca e comparar com os
laudos positivos para o exame toxicológico.
Importante destacar que a fiscalização com o etilômetro é
feita com abordagem policial, olhar especializado e seletivo.
A probabilidade de identificar um positivo é muito maior do
que no exame toxicológico. Isso ocorre porque no exame para drogas é preciso
comparecer a um laboratório de coleta e ainda pagar pelo exame.
Outro dado relevante é que o número de brasileiros que
consomem álcool é estimado em 10 vezes mais do que usam drogas. Além disso,
usuários de drogas costumam também consumir álcool.
Segundo pesquisa domiciliar realizada pelo Centro de Informações
sobre Saúde e Álcool (CISA) e divulgada este ano, 44% dos entrevistados admitiram consumir álcool,
sendo que destes, 27% foram considerados moderados e 17% abusivos.
Já a Fundação Fiocruz, no 3° Levantamento
Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, divulgado em 2019, mas com dados de
2015, identificou que 3,2% dos brasileiros usaram substâncias ilícitas nos 12
meses anteriores à pesquisa, o que equivale a 4,9 milhões de pessoas ao longo
de um ano.
Quanto ao consumo de álcool, cerca de 46 milhões (30,1%)
informaram ter consumido pelo menos uma dose nos 30 dias anteriores, ou seja,
apenas um mês. Isso confirma que o número de condutores flagrados sob efeito de
álcool pode ser dez vezes maior do que para drogas.
O que torna ainda mais significativa a diferença de laudos
positivos para drogas do exame toxicológico de larga janela e as infrações da
Lei Seca detectadas pelo etilômetro.
Importante enfatizar que o etilômetro identifica o condutor
sob efeito de álcool no momento da direção. Já o exame toxicológico de larga
janela identifica o usuário regular de drogas nos últimos 90 dias.
Entretanto, quando o condutor apresenta laudo positivo no
toxicológico, significa que ele está usando drogas com tamanha frequência que
coloca vidas em risco, seja quando está sob efeito das substâncias ou sofrendo
as consequências da abstinência, que pode inclusive causar alucinações.
O chamado cut-off previsto na legislação e regulamentado pela RESOLUÇÃO CONTRAN
Nº 923, DE 28 DE MARÇO DE 2022, implica que o laudo será positivo quando o consumo das
drogas ultrapassa determinado nível. É importante enfatizar que não se trata de
uso eventual, mas sim frequente de drogas.
Considerando os percentuais mencionados de 3,80% para
condutores de veículos de carga e 0,29% para passageiros, conforme explica o
Relatório, é possível estimar o número de autuados pela Operação Lei Seca nas
categorias C, D e E.
No total, foram aproximadamente 2.105 motoristas da categoria
D (van, ônibus e micro-ônibus) entre janeiro de 2016 e junho de 2023 autuados
dirigindo sob efeito de álcool. Já nas categorias C e E (caminhões e carretas),
foram aproximadamente 27.500 condutores infratores.
No caso do exame toxicológico, foram considerados os laudos
positivos a partir de março de 2016, quando a Lei 13.103/15 entrou em vigor,
exigindo que os motoristas das categorias C, D e E apresentassem laudo negativo
para drogas na renovação, mudança de categoria, admissão e demissão nas
empresas.
O total geral foi de 234.797 laudos positivos neste período.
A soma considerou os dados dos exames registrados de março de 2016 até setembro
de 2023. O resultado revelou que foram emitidos pelos laboratórios 109.070
laudos positivos para drogas para condutores da categoria D (van, micro-ônibus
e ônibus).
Considerando que a operação Lei Seca flagrou aproximadamente
2.105 condutores da mesma categoria dirigindo sob efeito de álcool, significa
que foram 52 laudos positivos para drogas a mais que resultados positivos para
álcool.
Dado ainda mais surpreendente considerando que o álcool é uma
substância psicoativa lícita, enquanto os resultados obtidos pelos laudos
positivos do toxicológico consideram quase exclusivamente drogas ilícitas.
Nas categorias C e E, específicas para condutores de
caminhões e carretas, foram 79.803 laudos positivos para drogas. Portanto,
quase três vezes mais do que para motoristas das mesmas categorias dirigindo
sob efeito de álcool.
Outro aspecto interessante é que o exame toxicológico impediu
45.648 condutores das categorias AB (29.910) e B (15.738) de conseguirem acesso
à CNH das categorias C, D e E, exatamente porque essa adição de categoria exige
o exame de larga janela.
LAUDOS POSITIVOS DO EXAME TOXICOLÓGICO |
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Período: março de
2016 até setembro de 2023 |
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CATEGORIA CNH |
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