Publicado em: 30/07/2025

Pelo retrovisor do caminhão carregado de grãos, o caminhoneiro olha para a cidade de Foz do Iguaçu, na fronteira do Paraná com o Paraguai, antes de acessar a rodovia BR-277. Enquanto o dia nasce no horizonte, o motorista se prepara para mais uma saga logística até o porto de Paranaguá, no outro extremo do estado. A aventura diária que movimenta a indústria e a agricultura da quarta economia do país tem aproximadamente 740 quilômetros, de oeste a leste em terras paranaenses, e os desafios de uma rodovia que não conseguiu acompanhar a força do setor produtivo paranaense.

Há dois anos, o projeto do corredor logístico da BR-277 teve início dentro do novo programa de concessões rodoviárias do governo do Paraná, que corre atrás de décadas perdidas sem investimentos na principal ligação entre a tríplice fronteira e o maior porto graneleiro do Brasil. O atraso nas obras de infraestrutura da BR-277 também é resultado dos contratos firmados no antigo Anel de Integração do Paraná, encerrado em 2021 após mais de 20 anos de concessão e que foram marcados por casos de corrupção, falta de obras e preços elevados nas praças de pedágio.

No segundo semestre de 2023, o grupo Pátria e a EPR arremataram os lotes 1 e 2 das novas concessões, respectivamente, que englobam trechos da BR-277 entre Prudentópolis e Curitiba e na descida pela Serra da Mar até o porto de Paranaguá, considerado o trajeto mais importante para o escoamento da produção do estado. Em resposta às reivindicações do agro e da indústria paranaense, a gestão Ratinho Junior (PSD) antecipou o leilão do lote 6 pela relevância estratégica da BR-277 e pela urgência das obras na rodovia, que pode impulsionar o setor produtivo ou frear o desenvolvimento do estado.

Com a revolução logística prevista até 2034 e a promessa das primeiras obras concluídas a partir de fevereiro de 2027, a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep) afirma que vai acompanhar cada quilômetro das novas concessões para que o hub rodoviário se torne uma realidade. No último mês de junho, a Fiep lançou o “Observatório dos Pedágios”, plataforma digital para que a sociedade e o setor produtivo acompanhem o andamento das obras nos seis lotes de concessões.

Projeto de corredor logístico na BR-277 tem 484 quilômetros de duplicações

Segundo dados da Fiep, os contratos de concessões dos lotes 1, 2 e 6 exigem a duplicação de 484 quilômetros do trajeto da BR-277 entre Foz do Iguaçu e Paranaguá. Ou seja, para que a rodovia se torne um dos principais corredores logísticos do Sul do país, a BR-277 ainda deve ser duplicada em 65% na ligação oeste-leste.

BR-277

O corredor logístico do oeste até o litoral do Paraná.

Percurso de aproximadamente 740 km entre Foz do Iguaçu e Paranaguá.

O observatório aponta que 326 quilômetros de faixas adicionais devem ser entregues pelas concessionárias com acostamentos nos dois sentidos, com destaque para a terceira pista entre Curitiba e o porto de Paranaguá. O percurso da capital até o litoral já é duplicado, mas a demanda de caminhões exige a terceira faixa para evitar a sobrecarga do trânsito e a interrupção do fluxo em casos de acidentes, cenário semelhante ao trecho duplicado na região serrana em São Luiz do Purunã.

O gerente de Assuntos Estratégicos da Fiep, João Arthur Mohr, ressalta que a BR-277 e a BR-376 são os dois principais corredores logísticos para as exportações paranaenses a partir do porto de Paranaguá, no entanto, a ligação entre o oeste e leste do estado ainda tem um baixo percentual de duplicação. O projeto do corredor logístico da BR-277 também prevê 107 viadutos, o que deve trazer mais segurança ao trânsito, tanto para o transporte de cargas como para motoristas de veículos leves.

De acordo com Mohr, o setor produtivo calcula que o trecho de aproximadamente 500 quilômetros entre Cascavel - maior cidade do oeste paranaense e polo agroindustrial - e a capital do estado deveria ser realizado entre cinco e seis horas de viagem. No entanto, o percurso chega a levar 10 horas durante o transporte de produtos acabados ou matérias-primas.

Segundo ele, o custo logístico para o setor produtivo no Paraná é cerca de 30% acima do previsto pela Fiep. “A nossa expectativa é que, com a entrega das obras, ocorra a redução do custo logístico para custear o aumento dos gastos pela inserção do pedágio”, explica.

Agroindústria forte enfrenta problemas da porteira para fora

O técnico do Departamento Técnico e Econômico da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) Luiz Eliezer Ferreira ressalta que o porto de Paranaguá é uma das principais saídas para exportações do agro brasileiro e que o Paraná está entre os maiores estados produtores do país em proteína animal e grãos.

“A produção de carne suína, que é bastante concentrada no oeste do Paraná, cresceu 79% na última década. O Paraná é líder na produção nacional de frango, com mais de 34% do que é produzido no Brasil. Já na produção de grãos, houve um aumento de cerca de 230% nos últimos 40 anos. Temos um VBP [Valor Bruto da Produção] batendo quase R$ 200 bilhões na agropecuária”, destaca.

Apesar do protagonismo do estado no cenário nacional, Ferreira faz a ressalva para o risco de estrangulamento da BR-277 pelo descompasso entre a infraestrutura logística e a velocidade de produção da quarta economia do país. “Dentro da porteira, temos um agro pujante, mas quando esses produtos pegam a estrada, com destino aos mercados externos, encontram um enorme gargalo”, compara Ferreira.

O gerente da Fiep João Arthur Mohr lembra que a falta de vagões para o modal ferroviário no oeste e a ausência de investimentos na BR-277 nas últimas três décadas aumentam a dependência do setor pela entrega do novo corredor rodoviário. “A região oeste foi a que mais sofreu com os contratos anteriores. Pagou por um pedágio caro e não teve obras nas rodovias que concentram a nossa produção, com uma agroindústria muito forte. Além disso, a oferta de vagões é muito baixa na região, sendo que 90% do transporte ferroviário que o porto de Paranaguá recebe vem do norte do Paraná e menos de 10% do oeste”, analisa.

Pedágio caro e degrau tarifário após entrega de corredor logístico na BR-277

Se a falta de infraestrutura e o hiato na gestão privada das rodovias agravam os problemas logísticos para as exportações, a indústria do Paraná também passa a medir o efeito colateral das obras no corredor da BR-277. A necessidade de investimentos privados é indiscutível, mas o resultado dos leilões dos lotes 2 e 6 acendeu o sinal de alerta para o custo do escoamento da produção.

Sem concorrência, a EPR arrematou os lotes na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, com ofertas de 0,08% de desconto na tarifa-base, o que frustrou o setor produtivo. A descida entre Curitiba e o porto de Paranaguá vai impactar o custo da produção em todo o estado, sendo que na região oeste o peso para a indústria será ainda maior por causa do lote 6.

“Nos valores atuais, um caminhão de sete eixos que sai de Foz do Iguaçu até Paranaguá tem um gasto entre R$ 980 e R$ 1 mil apenas com as tarifas do pedágio”, calcula o presidente da Coopavel Cooperativa Agroindustrial, Dilvo Grolli. Segundo ele, o custo com as novas concessões é de R$ 1,50 por saca de milho transportado até o porto, o que representa 3% do valor total da unidade, cerca de R$ 50 ao produtor rural.

“O comprador no exterior não vai pagar mais por esse milho [...] Mesmo que o produtor não venda o milho para exportação, o valor agregado na carne do frango ou na carne suína também terá um acréscimo”, comenta Grolli.

Além disso, o setor produtivo projeta o aumento do custo de produção após a entrega das obras do corredor logístico da BR-277 em oito anos, por causa do degrau tarifário previsto nos contratos do pedágio, que impõe reajuste na tarifa atrelado à conclusão das obras, aguardadas há décadas.

“Além de ter um pedágio que está onerando o produtor, tem a rodovia saturada por ser a única ligação [com porto de Paranaguá], trechos de duplicações que só serão completados em 2034 e, depois disso, ainda teremos o aumento da tarifa”, critica o presidente da cooperativa, que trabalha com a produção industrial de carnes e tem um faturamento anual de mais de R$ 5 bilhões.

Atraso na liberação de ponte e licenças ambientais: relógio de entrega começa a correr 

A ligação da BR-277 com a ponte da Integração, na fronteira com o Paraguai, ainda não foi entregue, mesmo com a liberação da estrutura principal há mais de dois anos. A falta de planejamento provocou um episódio peculiar: a ponte está pronta para receber os veículos, mas os acessos rodoviários e as aduanas na fronteira entre Brasil e Paraguai ainda estão em obras, com conclusão prevista para final de 2025.

Em junho, o governador Ratinho Junior (PSD) visitou o presidente do Paraguai, Santiago Peña, para tratar da liberação da ponte internacional, que será integrada ao corredor logístico da BR-277. Em nota, a Invest Paraná - órgão da gestão estadual - informou que o Paraguai, quinto maior destino das exportações paranaenses, depende da rota para acessar o porto de Paranaguá, já que aproximadamente 70% das cargas em contêineres do país vizinho passam pelo terminal — impulsionadas pelo armazém alfandegado exclusivo para agilizar as operações bilaterais.

“A redução no tempo de frete e a maior segurança na via não apenas fortalecem o comércio já aquecido, mas também tornam o Paraná um hub ainda mais atrativo para novas empresas de logística e centros de distribuição com foco no mercado sul-americano”, afirma a agência do governo paranaense.

Quem já começou a correr contra o tempo para entregar as obras no prazo são as concessionárias Via Araucária e EPR. A Gazeta do Povo apurou que a Via Araucária ainda aguarda as licenças necessárias para as obras de duplicação em Palmeira e Irati, que devem ser entregues em fevereiro de 2027. A informação foi confirmada pela Via Araucária, que está em tratativas com o Instituto Água e Terra (IAT).

“A Licença Ambiental Prévia (LP) das obras de duplicação dos trechos da BR-277 em Palmeira e Irati deve ser concedida até o fim de julho [...] A expectativa da concessionária é de que a Licença de Instalação (LI) seja concedida em agosto. O Ponto de Parada de Descanso para motoristas profissionais já está em construção”, informou.

A EPR Litoral Pioneiro também foi procurada pela Gazeta do Povo e respondeu que a primeira etapa das obras de ampliação na BR-277, com intervenções entre Curitiba e São José dos Pinhais, está dentro do cronograma previsto pelo contrato.

“Até fevereiro de 2027 - ao final do terceiro ano de concessão - serão realizados mais de 30 quilômetros de faixas adicionais, alargamento de dispositivos como viadutos, criação de vias marginais e ciclovias. O projeto e os estudos ambientais para as obras já foram apresentados ao Ippuc [Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba], IAT e à prefeitura de São José dos Pinhais e seguem na fase de licenciamento.” Como assumiu a concessão do lote 6 em maio deste ano, a entrega de obras do terceiro ano de contrato da EPR Iguaçu está prevista para 2028.


Fonte: Gazeta do Povo

Como a BR-277 se tornará o corredor logístico da fronteira com o Paraguai até o porto de Paranaguá