Publicado em: 20/08/2025

O estado do Paraná ocupa posição de destaque no cenário econômico brasileiro: possui o quarto maior parque industrial do país, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e tem um Produto Interno Bruto (PIB) que se aproxima de R$ 700 bilhões. Desse total, quase R$ 500 bilhões são provenientes da indústria, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre plantar ou produzir, transformar grãos em alimento ou matéria-prima em produtos que chegam ao consumidor, há um imenso desafio logístico.

São gargalos que ameaçam a competitividade e impõem limites ao desenvolvimento. Isso sem contar com fatores externos, como o tarifaço de Donald Trump que afeta alguns dos principais mercados paranaenses: as madeiras, o café e as proteínas estão contemplados na lista dos produtos brasileiros taxados em 50% desde o início deste mês de agosto. Com mais de 161 mil indústrias, predominantemente micro e pequenas empresas — conforme registro da Confederação Nacional da Indústria (CNI) — o segmento emprega quase 800 mil pessoas de forma direta. Considerados os dados indiretos, esse número pode triplicar.

Apesar da relevância, a infraestrutura logística está longe de acompanhar a pujança produtiva. “A produção brasileira — e com destaque ao Paraná como um grande supermercado do mundo — alimenta quase um bilhão de pessoas pelo planeta, mas muitos desconhecem como é desafiador levar os produtos à casa e à mesa”, aponta o economista e analista em mercado internacional Rui São Pedro. Neste quesito mencionado por ele se encaixam:

custo elevado de produção e escoamento

entraves ambientais

custo operacional do pedágio

problemas de navegabilidade

travas tecnológicas.

A herança do pedágio: tarifas ainda ferem a competitividade

Por três décadas — do fim dos anos de 1990 até 2021 — os paranaenses conviveram com um dos pedágios mais caros do mundo, em contratos permeados por denúncias de corrupção, obras inacabadas e promessas frustradas. A nova modelagem de concessão, implementada a partir de 2024, promete reverter esse cenário.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), Edson Vasconcelos, alerta que as tarifas continuam entre as mais caras do país, especialmente no lote 6, que inclui trechos das regiões oeste e sudoeste paranaenses — justamente as mais distantes do porto de Paranaguá e das principais rotas de escoamento produtivo do estado. “Estamos pagando cerca de R$ 0,18 por quilômetro rodado, contra R$ 0,11 nos demais lotes. Isso compromete a cadeia produtiva e, inevitavelmente, vai pesar no bolso do consumidor e afetar mercados. Um produto mais caro não é atrativo”, critica.

Para a indústria, mais que uma conta elevada, trata-se de um entrave logístico estrutural. O Paraná não tem vias navegáveis — os rios foram bloqueados por hidrelétricas — e as ferrovias são insuficientes, dependendo majoritariamente das rodovias: estima-se que mais de 80% da produção circule sobre rodas, conforme levantamento da Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná (Fetranspar).

“Tanto para abastecer o mercado interno quanto para chegar aos portos, para então exportar a cerca de 190 países, precisamos de estradas. E estradas boas, com infraestrutura adequada, sob risco de inviabilizar a cadeia produtiva. É um gargalo antigo e que temos a expetativa que se resolva, em partes, com as duplicações de rodovias asseguradas nos novos contratos de pedágio até a década de 2030”, reforça o presidente da Fetranspar, Sérgio Malucelli que também é o coordenador do G7, grupo que compreende as sete grandes entidades representativas do setor produtivo estadual.

O alto custo do escoamento: quando exportar não compensa

O industrial Rainer Zielasko, proprietário de uma das principais empresas têxteis do Brasil — a Fiasul, com sede em Toledo (PR) — preparou um estudo logístico criterioso para viabilizar exportações para a África e para o México. A conclusão foi desalentadora: o gargalo não estava na travessia oceânica, mas no deslocamento interno, de cerca de 550 quilômetros de Toledo até o porto, ou seja, de uma ponta à outra do estado.

“O custo logístico inviabilizou a operação e nos tirou a expectativa de exportar, ao menos por ora”, relata. A equação inclui pedágio, tempo de deslocamento e custo de embarque — variáveis que, juntas, destroem a competitividade de muitas indústrias paranaenses, conforme a análise do setor e o estudo específico realizado.

O setor inclui um outro elemento nessa equação: para eles, há o agravamento das filas portuárias. O presidente da Fiep exemplifica com o caso de um empresário de Guarapuava, região centro-sul do Paraná, que segundo o relato teria tido que vender uma fazenda para arcar com os custos operacionais causados pela longa espera para embarcar carregamentos de derivados de madeira.

“No setor madeireiro, por exemplo, há relatos de embarques que aguardam até 100 dias. Isso é custo e custo extremamente elevado”, aponta. Diante da ineficiência, a orientação da entidade é pragmática: exportar pelo porto que oferecer melhores condições, ainda que fora do estado.

O Porto de Paranaguá nega que haja esse gargalo expressivo apontado pelo setor, ressaltando que no último mês de julho os portos do Paraná alcançaram a maior movimentação mensal de cargas da história, com um total de 7.319.145 toneladas — crescimento de 6,5% em relação ao recorde anterior, registrado em agosto de 2024. O destaque, segundo a administração, foi no Corredor de Exportação Leste, responsável por grãos e farelos, que bateu recorde ao movimentar 2.607.639 toneladas. A soja em grão teve crescimento de 55% no mês, enquanto o farelo de soja aumentou 30%.

O milho registrou um salto de 499% em julho, com 447.156 toneladas embarcadas. Na importação, os fertilizantes lideraram com 1.210.055 toneladas, 32% acima de julho de 2024. De janeiro a julho, o volume total movimentado chegou a 41,57 milhões de toneladas, alta de 5,2% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo o porto, “reforçando o papel estratégico de Paranaguá como hub logístico do agronegócio brasileiro”.

Para este ano, o porto projeta novo recorde de movimentações, com 70 milhões de toneladas. O Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP), responsável pelos embarques de cargas de madeira, foi procurado pela reportagem da Gazeta do Povo, mas até a publicação desta reportagem não havia se manifestado. O espaço segue aberto.

Impasse ambiental trava obras de infraestrutura

O ritmo das obras de infraestrutura aguardadas estão aquém dos anseios do setor produtivo local, que considera esse fator como um entrave à logística competitiva das indústrias do estado. Essa opinião motivou a criação do programa “Destrava Logística”, uma iniciativa coordenada pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que busca superar impasses judiciais que paralisam projetos estratégicos.

O programa tem promovido articulações entre Judiciário, Executivo, Ministério Público e setor produtivo para agilizar desde licenças ambientais até questões burocráticas que levam projetos para a gaveta por anos ou décadas. “O programa acelerou discussões importantes, como a implantação dos portos Guará, Novo Porto e porto Maralto [no litoral do Paraná], além das rodovias de acesso, tão essenciais para manter nossa logística ativa, competitiva e a indústria em desenvolvimento, gerando emprego, renda e as vendas”, pontua Vasconcelos, da Fiep.

A criação de subcomissões técnicas permitiu análises especializadas, conciliando interesses públicos e privados. “A logística é, ao lado da falta de profissionais e alto custo do crédito, um dos nossos maiores entraves e a burocracia pesa muito. Desburocratizar significa dar celeridade ao desenvolvimento em todas as regiões industriais do estado. Não há indústria sem infraestrutura e logística”, completa o presidente da federação.

Mão de obra e tecnologia: nós logísticos e a indústria em busca de soluções

Berço de cinco das dez maiores cooperativas agroindustriais do país, a região oeste do Paraná tem cerca de 10 mil vagas de emprego abertas e com dificuldade de preenchimento há pelo menos dois anos. Na região está o segundo maior parque industrial do estado, atrás apenas de Curitiba e região metropolitana.

“Além da escassez de mão de obra, enfrentamos alta rotatividade. Automatizamos o que foi possível, mas existem funções que só o ser humano pode fazer e não temos alcançado esses profissionais, não temos mais onde contratar”, relata Elias Zydek, diretor-executivo da Frimesa, maior player (empresa influente no setor) do mercado de suínos do Paraná e quarto do Brasil.

O remédio indicado? Tecnologia. A planta industrial em Assis Chateaubriand (PR), a maior da América Latina para abate de suínos, passou por processo de automação para suprir a falta da mão de obra. “Mas, mais uma vez, há funções que somente o ser humano é capaz de operar. Esse é um gargalo desafiador que tende a piorar conforme crescemos e avançamos em produção, porque precisaremos cada vez mais de pessoas”, enfatiza Zydek.

Por outro lado, a modernização industrial ainda é um horizonte distante para a maioria dos parques fabris do estado. “Temos equipamentos obsoletos na maior parte dos parques industriais. Não é razoável esperar produtividade comparável a de países tecnologicamente mais desenvolvidos, como Estados Unidos e China, enquanto ainda operamos com máquinas e equipamentos de décadas”, avalia Edson Vasconcelos.

A combinação entre taxas de juros elevadas e dificuldade de acesso a crédito desestimulam esses investimentos. “Não tem como modernizar com as taxas atuais de juros e a falta de recursos acessíveis no mercado”, avalia o presidente do Sistema Federação das Cooperativas do Estado do Paraná (Ocepar), José Roberto Ricken.

Apesar dos obstáculos, o cooperativismo paranaense segue como um dos mais robustos do país e é um destaque à parte para o desenvolvimento industrial do estado. Em 2024, o setor faturou R$ 206 bilhões. Para os próximos anos, a meta é ainda mais ambiciosa: alcançar R$ 500 bilhões até 2030. Para isso, a Ocepar projeta investir R$ 9,3 bilhões até o fim do ano.

“No entanto, não é possível modernizar com juros de mercado. Precisamos de crédito adequado e juros possíveis de serem pagos”, defende Ricken, ao alertar que 15% ao ano é inadmissível a qualquer economia em desenvolvimento no planeta.

O desafio de quem está mais distante do porto

O presidente da Coopavel, com sede em Cascavel, Dilvo Grolli, resume o cenário desafiador no contexto logístico. “Para quem está no oeste do Paraná, como nós, as condições logísticas impactam muito. O pedágio caro afeta diretamente o custo de produção e o escoamento. As rodovias são nossa principal forma de transporte e, além das boas condições, é preciso trafegabilidade acessível e tarifas de pedágios justas”, defende.

Em paralelo, hubs tecnológicos começam a surgir como alternativa para fomentar a inovação. No oeste paranaense está o Iguassu Valley, um ecossistema de inovação que reúne startups, empreendedores, investidores e grandes empresas com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento de novos negócios. A estrutura oferece quase tudo de graça ou de forma bastante acessível. “É um hub que facilita a criação e o crescimento de empresas em toda a região”, comenta o coordenador Jadson Siqueira.

Outra proposta é o Programa Oeste em Desenvolvimento (POD), uma iniciativa de organização territorial que tem como objetivo a promoção e o crescimento econômico, social e sustentável da região oeste do Paraná a partir de parcerias entre governo, empresas e sociedade civil. O foco é impulsionar setores-chave como agronegócio, infraestrutura e inovação.

Juntos, POD e Iguassu Valley têm articulado soluções criativas em ilhas de prosperidade industrial.” A tecnologia e a inovação voam em perspectivas”, completa o coordenador do hub. Um exemplo emblemático está em uma empresa incubada na Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Fundetec), auxiliada pelo Iguassu Valley, que no fim de 2024 precisou de uma peça sem a qual as máquinas pararam.

Uma startup local, incubada ao lado dela, sensibilizou-se com a demanda, estudou o problema e reproduziu o componente em impressão 3D, reativando a linha de produção em menos de 48 horas. Se fosse aguardar a importação da peça da Ásia, o tempo de espera faria a linha de produção parar por meses.

“Tecnologia e ambientes de troca de experiências são essenciais para soluções ágeis e isso também é otimização logística. Se não houver investimento em tecnologia, inovação e ambiente de negócios, o sistema vai travar”, afirma o coordenador da Incubadora da Fundetec que acompanhou o desenvolvimento da peça em 3D, Frederico Lovato.

O futuro sobre trilhos e a expectativa com a Nova Ferroeste

Entre as soluções operacionais, a grande esperança para o setor produtivo nas próximas décadas caminha sob trilhos. “Precisamos da Nova Ferroeste e de ferrovias operantes. Isso é competitividade”, enfatiza Edson Vasconcelos.

O presidente do Programa Oeste em Desenvolvimento, Alci Rotta Junior, defende mudanças na Malha Sul, o principal corredor ferroviário que conecta Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e parte de São Paulo. A Malha Sul enfrenta problemas de infraestrutura e saturação.

“Defendemos que o Rio Grande do Sul seja retirado dessa malha, dada sua peculiaridade logística. Solicitamos ao governo federal a reestruturação do modelo e que a atual Ferroeste possa ser incorporada à concessão que deve ser antecipada, enquanto a Nova Ferroeste não é uma realidade”, afirma Rotta.

A modernização ferroviária é considerada estratégica para conectar de maneira mais eficiente o agronegócio, a indústria e o porto de Paranaguá, reduzindo custos, ampliando a competitividade e com sustentabilidade do desenvolvimento regional nos cinco polos do estado. “Os carregamentos que saem pela Ferroeste de Cascavel levam seis dias para chegar ao porto. Por caminhões são cerca de 14 horas. Precisamos, de um lado, tirar os caminhões das estradas e, de outro, ampliar nossa capacidade operacional em transporte mais ágil sobre trilhos”, destaca Grolli.

A Ferroeste é uma ferrovia estadual criada no fim dos anos de 1990, operada pelo governo do Paraná. Conta com um trecho de 248 quilômetros entre Cascavel e Guarapuava, e tem como principal objetivo escoar a produção agrícola e de proteína animal do oeste do estado até o porto de Paranaguá.

Com uma operação regional, transporta cerca de um milhão de toneladas por ano, sendo considerada uma ferrovia de médio alcance, com importância logística principalmente para o agronegócio paranaense. Em 2024, o governo do estado iniciou o processo de desestatização da estrada de ferro.

O projeto da Nova Ferroeste é uma proposta de ampliação e modernização dessa malha, com características mais ambiciosas. Prevê a construção de mais de 1,5 mil quilômetros de ferrovia, interligando Maracaju (MS) a Paranaguá (PR), com ramais estratégicos até Foz do Iguaçu (PR), Chapecó (SC) e Dourados (MS). A Nova Ferroeste será concedida à iniciativa privada, com contrato de operação para até 99 anos.

O projeto em andamento conta com estudos ambientais e de viabilidade técnica finalizados, e prevê um investimento total estimado em cerca de R$ 36 bilhões que devem vir da iniciativa privada. A nova ferrovia tem capacidade projetada para transportar entre 26 e 38 milhões de toneladas por ano, com uma economia média de 28% a 30% nos custos logísticos.

Além de modernizar o transporte ferroviário, o projeto pretende transformar o Sul do Brasil em um hub logístico multimodal, conectando os estados de Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, com impacto direto nos fluxos comerciais com Paraguai e Argentina — mas isso só deve sair do papel daqui a algumas décadas.

“Precisamos pensar em alternativas e buscar competitividade à nossa indústria. Um investidor vai sempre buscar melhor colocação estratégica, competitividade e ambiente de negócios. Apesar de todos os nossos desafios, a indústria do Paraná avança, mas precisamos sanar gargalos logísticos para continuarmos no jogo”, completa Edson Vasconcelos. 



Fonte: Gazeta do Povo

Do cultivo ao consumo: como a logística desafia o crescimento industrial do Paraná